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Direito Autoral e Inteligência Artificial: entre a criação humana e o aprendizado das máquinas

  • Foto do escritor: Bruno Calixto
    Bruno Calixto
  • 14 de out.
  • 6 min de leitura

Atualizado: 31 de out.

IA criando obras


A Inteligência artificial como novo desafio à criação tradicional


A inteligência artificial (IA) tem redefinido o conceito de criação no século XXI. Músicas, pinturas, roteiros, livros e até fotografias são hoje produzidos a partir de comandos textuais. Plataformas de IA generativa conseguem criar obras esteticamente complexas, desafiando os limites do que entendemos por autoria e originalidade. Nesse novo cenário, surge uma questão inevitável: quem é o autor de uma obra gerada por uma máquina? E, ainda, é legítimo o uso de obras protegidas por direito autoral no treinamento desses sistemas?


A legislação brasileira sobre direitos autorais — especialmente a Lei nº 9.610/1998 (Lei de Direitos Autorais ou LDA) — foi concebida em um contexto pré-digital, no qual a criação artística era indissociável da ação humana. O resultado é um vácuo normativo que se torna cada dia mais evidente diante da sofisticação das tecnologias de IA, exigindo dos operadores do direito uma releitura dos conceitos clássicos de autoria, titularidade e responsabilidade.


O presente artigo analisa os principais conflitos entre o direito autoral e a inteligência artificial, abordando a questão da autoria das obras criadas por sistemas generativos, o uso de obras protegidas no processo de treinamento e as possíveis soluções jurídicas para mitigar os riscos decorrentes dessa interação.



1. A criação de obras por IA e o conceito tradicional de autoria


A Lei de Direitos Autorais brasileira é clara ao definir que o autor é a pessoa física criadora de obra literária, artística ou científica (art. 11, LDA). A noção de “criações do espírito” (art. 7º) reforça o vínculo subjetivo entre a obra e seu criador humano, que expressa sua individualidade e criatividade no resultado final. Assim, o sistema brasileiro de proteção autoral parte de uma premissa antropocêntrica: somente seres humanos podem ser titulares de direitos autorais.


Essa concepção, contudo, entra em choque com a realidade das IAs generativas, que são capazes de produzir resultados originais a partir de comandos humanos ou mesmo de forma autônoma. Diante disso, surgem três principais correntes interpretativas sobre a autoria de tais obras:


  1. Autoria humana – Atribui-se o direito à pessoa que opera a IA, quando esta atua como mera ferramenta, comparável a um pincel ou instrumento musical. Nessa visão, há criação intelectual do usuário, cabendo-lhe a titularidade sobre o resultado.

  2. Autoria do programador ou desenvolvedor – Considera-se que a criação deriva da programação da IA e, portanto, pertence ao desenvolvedor do sistema, já que a máquina apenas executa instruções previamente estabelecidas.

  3. Autoria compartilhada ou derivada – Propõe o reconhecimento de coautoria entre o humano e a empresa responsável pela IA, especialmente quando há interação criativa relevante de ambas as partes.


A doutrina majoritária, contudo, ainda rejeita a atribuição de autoria à IA ou ao desenvolvedor, justamente por ausência de previsão legal. Sem personalidade jurídica ou consciência criativa, a máquina não pode ser considerada autora no sentido jurídico do termo.


Por outro lado, negar qualquer proteção ao usuário — relegando as obras de IA ao domínio público automático — pode representar um desestímulo à inovação, enfraquecendo a segurança jurídica dos agentes econômicos que investem no uso dessas ferramentas.


Nesse ponto, a interpretação mais razoável parece ser a que reconhece o grau de intervenção humana como fator decisivo: quanto maior o contributo criativo do usuário, maior a legitimidade para o reconhecimento da autoria.



2. O uso de obras protegidas no treinamento de sistemas de IA


Outra questão sensível diz respeito à utilização de obras preexistentes — textos, imagens, músicas e dados — no processo de treinamento das IAs. O aprendizado de máquina (machine learning) depende da alimentação de grandes volumes de informações, frequentemente coletadas de forma automatizada na internet. Esse procedimento, conhecido como data mining, gera polêmica porque muitas dessas obras são protegidas por direitos autorais e podem ter sido utilizadas sem autorização dos respectivos titulares.


Em tese, o uso de pequenos trechos de obras poderia se enquadrar nas exceções do art. 46 da LDA, que permite citações e usos parciais sem prejuízo ao autor original. No entanto, o treinamento de uma IA não tem natureza meramente educacional ou científica: trata-se de uma atividade com potencial econômico direto, voltada à criação de produtos e serviços que podem competir com os próprios autores das obras originais.


A ausência de transparência na origem dos dados e a dificuldade de rastrear quais conteúdos foram efetivamente utilizados nos treinamentos tornam a questão ainda mais delicada. Em resposta, cresce a defesa de um modelo de auditabilidade algorítmica, que permita identificar as fontes de dados e avaliar a eventual violação de direitos.


Sob a ótica da proporcionalidade, o uso de trechos mínimos ou transformados — quando não prejudica a exploração da obra original — pode ser considerado legítimo. Contudo, em larga escala e com fins comerciais, tende a configurar uma forma indireta de exploração econômica, que exige autorização dos titulares.

Assim, o risco jurídico recai tanto sobre as empresas desenvolvedoras quanto sobre os usuários que comercializam obras derivadas sem verificar sua origem, expondo-se a alegações de plágio ou uso indevido de propriedade intelectual.



3. Responsabilidade civil e riscos jurídicos nas criações por IA


Uma das maiores lacunas atuais é a definição de quem responde quando a IA viola direitos autorais. O usuário que solicita a criação? A empresa desenvolvedora do algoritmo? Ou o programador que treinou o sistema com obras protegidas?


A resposta ainda é controversa. O princípio da culpa e o ato voluntário são pilares da responsabilidade civil, o que leva parte da doutrina a entender que o usuário que divulga ou explora comercialmente uma obra gerada por IA deve assumir o risco do uso da ferramenta. Entretanto, há situações em que o usuário não tem meios de verificar se o conteúdo é original, dada a natureza opaca dos sistemas generativos.


A responsabilidade dos desenvolvedores também é discutida sob a ótica objetiva — isto é, independentemente de culpa —, sobretudo quando a IA é programada sem mecanismos de prevenção a violações. Em contextos empresariais, a mitigação desse risco passa por cláusulas contratuais específicas, prevendo a titularidade das criações, limitações de responsabilidade e eventuais seguros contra infrações autorais.


Diante da imprevisibilidade técnica e da ausência de regulamentação específica, a gestão jurídica do risco deve ser preventiva. O uso de IA em atividades criativas requer due diligence tecnológica, políticas internas de conformidade e análise criteriosa dos termos de uso das plataformas.



4. Entre a inovação e a proteção: caminhos possíveis para o Direito Autoral


A tensão entre proteger o autor humano e incentivar o avanço tecnológico é o cerne do debate contemporâneo sobre IA e propriedade intelectual. A legislação brasileira — e, de modo geral, os tratados internacionais — não reconhece autoria não humana. Por outro lado, ignorar o papel criativo das máquinas pode gerar obsolescência do sistema autoral, afastando-o da realidade tecnológica.


Uma solução intermediária pode estar na atribuição de titularidade derivada ao usuário humano, desde que demonstre contribuição criativa substancial. Esse modelo garantiria segurança jurídica e estímulo à inovação, sem romper com a base principiológica da LDA.


Outra alternativa é a criação de uma categoria sui generis de proteção, semelhante aos direitos conexos, voltada especificamente às obras geradas por IA. Essa hipótese já é discutida em organismos internacionais e poderia assegurar direitos econômicos limitados, sem equiparar a máquina ao autor humano.


No campo normativo, o Marco Legal da Inteligência Artificial em discussão no Brasil caminha em direção principiológica, sem tratar diretamente de direito autoral. A jurisprudência, portanto, tende a ser o primeiro instrumento de ajuste interpretativo, estabelecendo critérios casuísticos para definir autoria, uso legítimo e responsabilidade civil.


Por fim, cabe destacar que o equilíbrio entre inovação e proteção depende também de ética e transparência tecnológica. A auditabilidade dos algoritmos, o respeito aos direitos de terceiros e a clareza sobre os limites de uso das obras geradas são medidas indispensáveis para a sustentabilidade jurídica da IA criativa.



Conclusão


A inteligência artificial inaugura uma nova era de desafios para o Direito Autoral. As fronteiras entre criação humana e geração automatizada estão cada vez mais tênues, exigindo que o direito acompanhe a velocidade da tecnologia sem comprometer seus princípios fundamentais.


A noção clássica de “criação do espírito” talvez precise ser reinterpretada à luz da realidade digital, reconhecendo a participação criativa mediada por máquinas sem que se perca o protagonismo humano. O desafio do jurista contemporâneo é justamente esse: preservar a essência da autoria sem impedir o avanço tecnológico.

Enquanto a legislação não se adapta, cabe aos advogados, empresários e criadores adotar práticas contratuais e de compliance capazes de reduzir riscos e assegurar a exploração ética e legítima das obras geradas por IA.


Afinal, o que está em jogo não é apenas a titularidade de uma obra, mas a própria redefinição do que significa criar em um mundo cada vez mais compartilhado entre humanos e máquinas.




Bruno Calixto | Advocacia para o novo mercado

Conectando Direito, Negócios, Inovação e Creator Economy.

Assessoria jurídica para quem empreende, cria e influencia.


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