Liberdade de expressão versus direito à honra e à imagem: o dilema dos perfis de fofoca no Instagram
- Bruno Calixto
- 7 de out.
- 4 min de leitura
Atualizado: 17 de out.
A exposição pública de influenciadores digitais não significa autorização para que terceiros explorem sua imagem ou vida privada. Veja até onde vai o direito de se expressar e onde começa a violação dos direitos da personalidade.

A balança da justiça entre dois direitos fundamentais
O símbolo mais famoso que remete à justiça é uma balança, geralmente em equilíbrio de pesos ou com um lado timidamente mais pesado que o outro. Essa imagem representa bem a busca por equilíbrio entre dois valores igualmente protegidos pela Constituição Federal: a liberdade de expressão e os direitos da personalidade.
Ao analisar esse conflito, é impossível não lembrar dessa balança. Não se pode validar a liberdade de expressão em detrimento da personalidade de alguém, assim como não se pode abraçar os direitos da personalidade em troca de limitar a liberdade de se expressar.
A vida pública do influenciador e os limites da exposição
As redes sociais se tornaram palcos de grandes personalidades. Hoje, ser influenciador digital é uma profissão reconhecida, construída sobre a conexão direta com seguidores e fãs. Essa relação é alimentada pela exposição constante: o influenciador compartilha rotinas, opiniões, bastidores e até relacionamentos, tornando-se quase um livro aberto.
Mas essa exposição mitiga seus próprios direitos da personalidade? À primeira vista parece que sim, mas não. O Código Civil é claro ao afirmar, no art. 11, que os direitos da personalidade são irrenunciáveis e intransmissíveis. Ou seja, o influenciador pode escolher se expor, mas não pode renunciar à própria dignidade, imagem ou voz.
O que diz o Código Civil sobre imagem, voz e honra
Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.
Esse artigo traz os elementos centrais do equilíbrio jurídico:
exige autorização para o uso da imagem, voz ou palavra;
permite exceções apenas em situações de interesse público relevante;
protege expressamente a honra, boa fama e respeitabilidade;
e, por fim, veda o uso com fins comerciais, salvo consentimento do titular.
Quando há ofensa à honra, boa fama ou respeitabilidade
A segunda parte do art. 20 é clara: o uso da imagem, voz ou escritos pode ser proibido e indenizável quando atingir a honra, boa fama ou respeitabilidade da pessoa.
Esses três conceitos formam o núcleo moral dos direitos da personalidade:
Honra está ligada à dignidade pessoal, ao sentimento de valor que o indivíduo tem sobre si mesmo;
Boa fama refere-se à reputação social, à maneira como a pessoa é vista pelos outros;
Respeitabilidade é o reconhecimento público da conduta ética e do decoro social.
Nos perfis de “fofoca”, a ilicitude surge quando há distorção, exposição vexatória, insinuações depreciativas ou julgamentos morais sobre o influenciador, mesmo que o conteúdo tenha origem em fatos verdadeiros. A veracidade de uma informação não legitima sua divulgação se ela for feita de modo ofensivo, humilhante ou desnecessariamente degradante.
Assim, não é apenas o conteúdo que importa, mas a forma e a intenção da divulgação. Quando a publicação ultrapassa o limite do informar e passa a ridicularizar ou depreciar, ocorre violação aos direitos da personalidade, cabendo a proibição do conteúdo e eventual indenização.
Portanto, perfis que se sustentam em ironias, apelidos, exposição de brigas, falas fora de contexto ou comentários jocosos sobre a vida de influenciadores agem de forma ilícita, pois atingem diretamente a honra e a boa fama dessas pessoas — mesmo que não haja ofensa explícita.
Perfis de fofoca e a destinação comercial do conteúdo
É justamente nesse último ponto do artigo 20 — “ou se se destinarem a fins comerciais” — que os perfis de “fofoca” também entram em conflito com a lei.
Quando um perfil no Instagram utiliza imagens, vídeos ou informações sobre influenciadores com o objetivo de gerar lucro — seja por meio de visualizações, engajamento, publicidade ou monetização —, há destinação comercial do conteúdo.
Mesmo que o influenciador seja figura pública, o uso de sua imagem para obtenção de vantagem econômica por terceiros, sem autorização, viola o art. 20 do Código Civil
A liberdade de expressão garante o direito de opinar e informar, mas não autoriza a exploração comercial da imagem alheia.
Quando a liberdade de expressão vira abuso de direito
O art. 187 do Código Civil complementa essa ideia ao afirmar que o exercício de um direito torna-se ilícito quando excede manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pela função social.
Assim, o perfil de “fofoca” age licitamente apenas quando divulga informações já públicas, de forma verídica, sem manipulação ou exposição da intimidade, e sem obter lucro direto ou indireto com o uso da imagem de terceiros.
Do contrário, configura abuso de direito e violação aos direitos da personalidade.
O ponto de equilíbrio: liberdade com responsabilidade
Para que esses direitos convivam harmonicamente, é preciso que a liberdade de expressão seja exercida com responsabilidade, e que os direitos da personalidade sejam respeitados dentro daquilo que o próprio influenciador escolheu expor.
O equilíbrio está justamente em reconhecer que a internet não é uma terra sem lei: a exposição pode ser escolha, mas o respeito deve ser regra.
No fim, a verdadeira justiça é a que mantém a balança em equilíbrio — sem censura, sem invasão, e com dignidade em ambos os lados.
Conclusão prática
Se você é influenciador digital, saiba que sua imagem e voz continuam protegidas pela lei, mesmo que você viva da exposição.
Se você administra páginas de conteúdo, lembre-se: a liberdade de expressão termina onde começa a violação da personalidade alheia.
Bruno Calixto | Advocacia para o novo mercado
Conectando Direito, Negócios, Inovação e Creator Economy.
Assessoria jurídica para quem empreende, cria e influencia.





